Boa noite, Nega.
Você está aí de novo, todo dia você está. Ô Nega, que saudade. Meu corpo é
velho, o seu não é. Teu corpo descreve curvas, tão bonitas em você. Em mim,
Nega, só sobram todas essas rugas. Curvas? Só se forem nas cavidades do meu
rosto.
Aqui,
nada era assim. Quanto àquela realidade é, praticamente, tudo ausência. Acho que
nunca fui novo, Nega. Nunca. Mas, minhas memórias recordam minha infância. Uma
criança velha. É tudo lembrança do meu ingresso.
Tudo
aqui Nega, agora leva consigo tanta verdade. Não, não é tudo. São as pessoas,
dizem estar autenticamente conforme a realidade. Elas acabam ficando sem espaço,
até pra transformação. Quanto mais preso à verdade, menos acabam tendo o que
fluir e afetar. Não sei, Nega, acho que penso demais.
É
tudo espera, Nega. Tudo parece ter sentido aqui. Em algum lugar, sempre tem
alguém sentado. As coisas, que de fato contam, já receberam seu afeto.
Ah,
Nega... Nega, eu estou velho, tenho medo. Fico aqui perdido, habitando todo
esse infinito, sem ter você pra significá-lo. É como se você fosse minha causa,
Nega. E, fico pensando, por qual causa você não está aqui.
Lembro-me
de você, no meu rosto é inteira. Só não lembro, Nega, se sua pele é preta.
Rememoro, realmente bem, é de quando dissecávamos palavras. Aqui ninguém mais
faz esse tipo de coisa.
Nega, lembro do
teu olho. Mas, não lembro a cor da tua pele. Lembro de cada noite nossa.
Naquelas noites, você significava tudo quanto existe
ou possa existir. Meu velho rosto não tem vida, acho que, sem você, nunca teve.
Se existe vida, é apenas um reflexo pífio de toda a vivacidade que você
colocou.
Não
lembro tua pele, Nega, nada é como parece.