sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Nome

'Vejo apenas seu perfil. Maçãs decididas e firmes sustentam seu rosto. Que é mais bonito? Seus olhos ou pescoço? Sua boca não... Ela não sorri para mim. Não sorri diretamente, mas vejo seu sorriso transcender as maças do seu rosto. E, então, sinto, ou acho, que seu sorriso é meu. Apenas acho, não sei nem seu nome. E olhe que são três dias. Vejo você prender seus cabelos. E tudo, em você, parece encantar. Sua atenção, seus olhos fixos. Olhos, não os vejo, mas imagino. Você sempre parece estar um pouco mais adiante. Faz lembrar os astros, preservando toda sua beleza longe e intangível; mantendo sol e terra em suas órbitas. Que rosto lindo, pareço conseguir apenas prestar atenção nisso. Sua nuca branca sustentando o coque que você fez no cabelo. Ah, você virou o rosto e sorriu e iluminou-o; não sei que escrevo, ou se devo. Sei que me pego sorrindo olhando pra você. E essa vontade de saber seu nome.'
 
 
Woman with Flower Head - Salvador Dali.
 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quand je dis ne sort pas


     Por algum tempo, que não sei se foram segundos ou horas, só existiu o delineamento lateral do seu rosto. Linhas sutilmente desenhadas, em poucos segundos, transfizeram-se em um sorriso entrevisto pelos seus cabelos.
     Sorrindo, sua boca lia sozinha. Poderia ficar muito tempo ali, por muito tempo poderia ser, ou ter, apenas aquele sorriso. O seu sorriso chegou até mim, contraiu os músculos do meu rosto e peito.
    Como perceber a razão desses olhos, de sentimentos verdes, fortes e recentes, sentirem-se ínferos? O sentimento deles nunca é bobo. Olhos que, da mistura do amarelo com o azul, tornam-me vivo, magnetizam a chuva. Por quê eles trazem tanto brilho e encanto aos meus olhos, e sorriso?
    Quero dizer várias coisas. No pensamento, elas voam, e tremo diante das palavras. Je pense tellement que quand je dis ne sort pas. Aqui dentro, ficam as palavras que não saem, não passam. Perco-me nas palavras e elas perfazem o tempo.
     Ela olha para mim, seus olhos brilham como num poema invisível.
     - Você estava cantando enquanto vinha para cá?
     - Por que pergunta isso?
     - É porque pensei ter escutado.
     - O que você ouviu?
     - Nada de mais.
     - Pensou que ouviu?
    - Não sei. – um silêncio cego, por um instante, pairou. - Mas, parecia com a melodia da música que eu cantava.
     - Eu também te ouvi. E, em você, ouvi muito do que eu quis dizer.
     - É como se, mesmo antes de me ouvir, você tivesse percebido, cantado, o mesmo que eu.
     - Meu som, antes, parecia... Sem ritmo, não, não é sem ritmo... É outra coisa...
     - Sem sabor?
     - Isso! Agora, sei lá, pelo menos na minha cabeça, ele parece estar em harmonia.
     - Para. – interrompem-se, sorrindo. - Faz tempo que eu canto aquela música.
     - E, faz tempo que eu tenho minha atenção em você.
    Novamente, silêncio. Dessa vez, não era um silêncio desconfortável ou seco. Nunca senti tanto deleite em um silêncio. Não era o sabor do vinho, era outra coisa. Nos olhamos, igualmente, ao mesmo tempo.
    A ligeira elevação do canto das nossas bocas pareceu colocar em sintonia dois corpos, ainda que fisicamente distantes. Um sorriso sem começo, fim, ou meio. Um sorriso fazendo-se de palavra, ilimitado em matéria ou espaço.
Woman With Book - Pablo Picasso

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Astros

- Eu vim para ver você.
- Onde é o lugar que você está?
- É um hotel, no centro. Chama Indaiá, eu acho. Sua voz...
- Eu sei onde é. – interrompe-me.
[silêncio]
- Como iremos fazer?
- Tem uma praça a alguns quarteirões do seu hotel, não tem?
- Sim, sim. – ela também pensou na praça. A que horas?
- Em uma hora.
- Certo.
- Eu preciso desligar.
- Eu senti falta de ouvir sua voz...
- Depois nos falamos.  – desligou.
Meu coração bateu mais rápido que o sinal da ligação caída. Olhei para a mesa, apoiei o cigarro no cinzeiro de vidro, alguns pedaços de papel, uns com duas, ou três palavras, outros eram folhas preenchidas, cobriam a mesa. Encontro, aleatoriamente, uma. Desfaço-me do telefone.
Ligações me faziam lembrar quando ela falou, mesmo que de mentira, perto do meu ouvido. Fazia tempo que não a via. Em minha reminiscência apenas detalhes e recortes, tornando a minha consciência.
Ainda estava cedo, mas não suportava mais aqueles papéis, nem o quarto. Calcei os sapatos e sai. Caminhei errante para que o tempo passasse um pouco mais rápido. Caminhei olhando o céu, dirigia-me brincando com a lua. Ela sorria, e se escondia. Nos prédios, ou nas árvores... Por vezes nas minhas costas. 
Chegava até a cair em esquecimento, e eu, como um cego de andar reboto, procurava manter o pouco que restava do som da sua voz como guia para o encontro.
Os bancos parecem ser sempre os mesmos, feitos do mesmo cimento, lúgubre e frio. Sento-me, aquele lugar tinha uma vista bastante privilegiada sobre quem ia ou vinha. É aqui que espero.
Eu a vi chegando por todas as direções, podia estar interpretando. Seria o mendigo, ou a velha? Eu não gosto de esperar, não gosto... Um vento frio soava no meu ouvido esquerdo. Respirei fundo e, de olhos fechados, abaixo a cabeça.
De olhos fechados esqueci seu rosto. O vento entrava pelos meus ouvidos, e, lentamente, condensava meu ânimo. Não lembrava o rosto, nem a voz, apenas queria você ali. O que nos leva a andar por praças inóspitas...
Abro os olhos e te encontro, sorrindo, frente ao banco. Eu tinha certeza que não conseguiria falar nada quando isso acontecesse, não falei. Ela bate na minha cabeça e, novamente, sorri:
- Não tem vergonha de dormir na praça não?
- Quando é pra sonhar com você, não. – eu não conseguia perder aquele sorriso.
- Bobo. 
[silêncio]
Seus preclaros olhos transmitiam uma viva impressão de deleite e admiração, em mim. Eu demoraria para saber, que esse meu sorriso, aos poucos amarelado, dali pra frente, só alcançaria o tom exato, quase que musical, enquanto a tivesse por perto, como em uma conseqüência etérea; precedido por minha boca que, tranqüila e lentamente, acompanhava suas palavras e sorrisos. Tanta coisa passa nessa rua, desde o tempo, até as fases da lua. Mas, tudo inda era silêncio. Merda, não prestei atenção no que ela disse. 
- E, eu preciso ir. Está tarde, você devia ter me avisado antes de vir.
- Eu vim de súbito, de saudade.
- Ainda tenho que ir.
- Espera.
Ela também perdia os olhos na lua. Beijei seu rosto, segurei suas mãos e trocamos um sorriso correspondido de parte a parte. Comunicamos nossas bocas e, novamente, a atmosfera do tempo insurgi, e ultrapassa, a si mesma.
Para aquele beijo, toda poesia seria pouca. Beijava-lhe os olhos, ou enredava os dedos em seu cabelo, e às vezes perdia o que estava me dizendo.
- Eu... Eu, tenho que ir. – disse. Quero ficar, quero mesmo. Mas, me matam se eu não voltar logo.
- Entendi.
- Me dá um cigarro?
Tiro dois, do bolso da camisa.
- Um só, fuma comigo..
Estava com raiva, não queria que fosse. Mas, aquela voz... Se pudesse, eu a gravaria e ficaria a ouvir; passaria horas e horas. Apoio o cigarro em sua boca, ela acende e diz:
- Tenho sonhado com você. Tenho-te, ainda, nas minhas fantasias e devaneios.
- Eu também...
- E, quando acordo, mesmo com a memória dos sonhos partindo, você parece que fica.
- É a primeira coisa que penso quando acordo. – dissemos juntos.
- Toma. – diz entregando-me o cigarro quase que com brutalidade. Eu tenho que ir.
- Espera...
- Não dá, sério mesmo.
Me beija rápido, viras as costas e vai. Os carros voltam a fazer barulho, incomodam. Com o cigarro no fundo dos dedos, fumo quase que tapando a boca. E, você vai embora, lembrando os astros, preservando toda sua beleza longe e intangível. 
Meu olho te acompanha; minha boca, ainda quente, não.


Salvador Dalí - The Eye of Surrealist Time